Inicial > Sem-categoria > Que bloco é esse?

Que bloco é esse?

Ele é, realmente, a coisa mais linda de se ver.
Baianinha e afro-descendente desde o ventre, nunca, por pura displicência, havia reparado na beleza do Ilê, não pelo menos da forma como o fiz naquela manhã de domingo no Parque da Cidade de Salvador. Ver aquelas meninas dançando com aquela percussão latejando dentro da gente é, sem dúvida, bonito, emocionante. Mas naquela manhã, olhei pro Ilê Aiyê com os olhos da minha descrença e fui arrebatada por uma idéia transcendental.

O “Charme da Liberdade” apresentou-me o argumento de que o lugar das coisas não ditas, que assim são por força e desejo de um discurso predominante (um francês que foi nosso contemporâneo fala sobre isso), uma vez ditas, meu amigo, produz um latejo tão poderoso quanto os tambores do Ilê, capaz de transformar para sempre as estruturas desse lugar.

Imagine então, caro leitor, o que este dito pode causar quando além de tambores e danças usa boca, olhos, narinas e orelhas (lembre-se da música do Caetano, mas volte pra cá. Depois você viaja com ele noutras ondas. Até porque, com ele o troço entra e aqui, é através destes sentidos que o argumento sai para daí entrar em você, entende?). Mas como eu ia dizendo até o seu pensamento vaguear exigindo de mim uma advertência – olhos, narinas e orelhas de um integrante do famoso bloco me advertiram tão incisivamente que, passada a minha indignação, me rendi à verdade de que a gente do Ilê é diferente não só porque tem um Santo, usa turbante e/ou trança o cabelo, além de outros detalhes importantes. É diferente, para com isso convencer o mundo de verdades silenciadas.

Andam falando constantemente por aí, mas ainda é pouco, e o principal difusor desses conceitos é o Movimento Negro, que no Brasil vive-se a falsa idéia de que somos todos iguais, principalmente no que tange aos nossos direitos de cidadãos. Brasileiros de cor não são tratados igualmente pelas instâncias do Estado nem pela sociedade civil e infelizmente, este problema não é exclusivo para afro-descendentes. Nesta luta estão todas as minorias. No entanto, reconhecer que o Brasil é um país racista e que há muito que se fazer para reparar as perdas e danos dos afro-descendentes não modifica o mecanismo dos discursos que torna displicentes ouvidos de brasileiros e não brasileiros, fazendo-os permanecer no estágio que reconhece a necessidade de reparação, consumindo cabelos, música, roupas, etc, de influência africana sem se dar conta de que o buraco é mais profundo.
O que falta, tanto para os de pele escura quanto para os de pele clara – e lembre-se sempre: o que menos interessa é a cor da pele – é consciência. Isso. Consciência Negra. Não aquela que usa cabelo Black Power ou trancinhas e esnoba quem não os têm. Isso é ignorância. Mas consciência negra baseada em ciência histórica. Consciência que ultrapassa os limites das questões étnicas e depara-se com a insaciável vontade de entender o mundo em que vivemos. Reconhecendo que, entre tantas outras coisas, fomos ludibriados a aderir um estilo de vida que subjuga todos os outros, não só o africano, tratando-os como coisa bizarra e desagradável que se deve abolir, ou, exótica e notável que se deve consumir. É assim com os índios, homossexuais e toda espécie de minoria que se consiga identificar. É preciso consciência capaz de entender que somos a reprodução viva e tenaz, mas nem por isso inquebrantável, de um discurso que nos quer apáticos para se manter constante e dominante.

Categorias:Sem-categoria
  1. janeiro 28, 2008 às 11:59 am

    Você entende, você entende. Como explicar para os outros isso que a gente sente quando ele passa? Você falou em charme da liberdade. Sim, você entende.

  2. Caica
    janeiro 28, 2008 às 12:59 pm

    Poxa miga, estou vendo que vc tem talento mesmo para o jornalismo.Seus artigos são show. Muito conteúdo, gostoso de ler, apaixonante.
    Xero nêga.
    Xuxesso

  3. Gaelle
    janeiro 28, 2008 às 4:21 pm

    E bom te ler menina. Mesmo se nao entendi tudo (tava com preguiça de buscar no dicionario ….), acho que peguei o essencial, quer dizer, a essencia do seu discurso. Esse pais tao cheio de contradiçoes esta ainda cofrontido a esse problema de racismo apesar de dar para o mundo inteiro a imagem que ja ultrapassou isto. obrigada pela consciencia negra ou de qualquer cor. uma loura estrangeira que tambem tem que aguentar o problema da diferença de aparencia. beijao

  4. janeiro 28, 2008 às 6:15 pm

    Menina…
    Escrever mais um elogio para seu texto vai ficar até chato… mas não posso fazer diferente!
    Tá bom demaissssss!!!

    E sabe de uma… tem coisas q só podem ser ditas (ou escritas) por certas pessoas em certos momentos da vida!

    Acho q foi assim!

    Bjo

  5. janeiro 28, 2008 às 6:53 pm

    Eu, do movimento dos sem melanina, me curvo em reverência ao bloco e ao texto, amém.

  6. lavínya marques
    fevereiro 9, 2008 às 6:20 pm

    Sucesso!!! vamos combinar que tudo isso seja verdade,assim como vc dizia, eu ainda não pude me deliciar e entregar-me as delícias do afro Ilê e confirmar toda a beleza negra que assim é dito.Ei na minha “braquitude” ainda admirar toda essa beleza do mundo negro e contar pra vc.Um beijo… quero ler mais de vc… teadoro amiga

  7. fevereiro 18, 2008 às 2:31 pm

    Atualiza! Atualiza! Atualiza! (rs)

  8. fevereiro 24, 2008 às 6:24 pm

    Meyre,

    seu texto é uma grata surpresa em meio a tanta gente sem talento para a escrita… parabéns, continue… beijão… keep in touch

  9. dí Albuquerque
    fevereiro 24, 2008 às 8:20 pm

    Concordo em gênero, número e grau com seu texto, Mei, mas tem algo que gostaria de acrescentar:
    Nós, enquanto futuros jornalistas e formadores de opinião, devemos ter muito cuidado ao falar de racismo ou qualquer tipo de preconceito.

    1º por que as formas de descriminação vão, desde as maiores violências físicas e psicológicas, até as mais sutis e sorrateiras estratégias de embutir os conceitos e discursos preconceituosos na mente das pessoas, inclusive da própria pupulação afrodescendente. Sim, é de pasmar! Eu sei, você sabe: Existem negros racistas. Esta contradição já é o suficiente para termos idéia do “poder de fogo” do inimigo.

    2ºO assunto é perigoso, corre-se o risco,a todo momento, de ser acusado de racismo, ou de ser militante radical do mov. negro por se esboçar uma opinião que, eventualmente, venha a desagradar.Fora isso, deve-se ter muito cuidado com discursos que minimizam a questão; por não delinearem a real proporção do problema , assim como com aqueles mais inflamados; que tendem a gerar revolta e também não contribuem em nada.
    É claro que vivemos em uma sociedade racista e separatista que prima pela propriedade privada, pelo status social e pelas aparências (quase sempre desprovidas de conteúdo).
    Mas atribuir a culpa somente ao “sistema” já não cola mais, uma vez que estamos totalmente inseridos nele. Mesmo que a contragosto, fazemos parte dele e funcionamos, cada um de nós, como microprograminhas que contribuem para seu bom fincionamento, para a proliferação e corroboração de seus valores degradantes e suas idéias tendenciosas. Este é o maior erro. Somos nós os maiores culpados, pois somos omissos e passivos, quano deveríamos funcionar como um vírus; corroendo por dentro as enranhas desse “sistema” nefasto.
    Quando chegar o dia (e ele há de vir) em que todos tiverem acesso à educação de qualidade e oportuniodade pára desenvolver de forma construtiva suas faculdades intelectuais, físicas e epirituais (pois todos as têem, o que falta mesmo é oportunidade para exercitá-las), todas essas questôes polêmicas a cerca das diferenças étnicas certamente serão página virada, pois racismo é, acima de tudo, uma demonstração nítida de profunda ignorância e, nesse dia, não haverá mais pessoas ignorantes.

    Mei, adorei seu texto.
    Eu queria escrever um comentário e acabei escrevendo uotro texto.
    Beijos e parabéns pelo blog. Lindo!!!!

  10. Francolino!
    março 3, 2008 às 12:12 pm

    Aqui estamos nós…belo texto! Não diferente daquele parido em meio à angústia da seleção. Qualquer coisa que se refira aos negros incomoda. Enquanto isso era jornal passado, engavetado, arquivado, enquanto não se falava nos assuntos pertinentes aos negros, como cotas em universidades e, agora, talvez, em empresas, estava tudo bem. Por que aqui, no Brasil, tampouco, na Bahia, não existe racismo. Nããããooo. De maneira nenhuma! A Bahia é onde todo mundo se mistura, assim dizem. Mas, enquanto capitania hereditária, as oportunidades são, cada vez mais, raras. Trabalha “nêgo”, trabalha!

    Um abraço…e que mantenhamos contato

  11. célia mota
    setembro 4, 2008 às 3:52 pm

    Eis aqui sua mais recente admiradora!

  1. janeiro 25, 2011 às 8:41 pm

Deixar mensagem para célia mota Cancelar resposta